Um breve relato em letras
Um idealista, advogado militante apaixonado pelo Direito. Assim foi - e nunca deixará de ser - o filho de Goffredo Teixeira da Silva Telles e Carolina Penteado da Silva Telles.
Nascido a 16 de maio de 1915, foi batizado como Goffredo Carlos da Silva Telles, mais tarde adotou o nome Goffredo da Silva Telles Junior.
Foi com uma "bomba" em Geografia, no fim de seu primeiro ano do ginásio, em 1928, que Goffredo descobriu o pai. "Abençoada 'bomba', a minha!", disse.
"Aprendi, com meu pai, a estudar com paixão. Aprendi a ler, sim, a ler, com o lápis anotador na ponta dos dedos. Aprendi a trabalhar com dedicação e alegria. Aprendi a escrever com alma, como quem ama. A redigir com devoção, como quem aspira às formas da beleza. Quanta coisa descobri! E mais uma coisa descobri, e quero revelá-la agora. Descobri meu pai".
Bacharel em Direito, seu pai nunca exerceu a advocacia. Foi agricultor, empresário, político e poeta. Acima de tudo, poeta. Nunca foi professor, a não ser de seu filho. Foi também prefeito de São Paulo e, entre seus feitos, destaca-se a criação do Parque Ibirapuera.
"Revejo, com emoção, meu pai, lápis na mão, debruçado sobre a prancheta de desenho, na qual se achava pregada a planta de um bairro de São Paulo. A cena, renovada muitas vezes, em dias seguidos, guardada na minha memória, a cena de meu pai desenhando o futuro Parque Ibirapuera..."
Sua mãe ele descreve como "sempre presente, sempre atenta, sempre ligada aos filhos por laços permanentes de manifesta ternura".
Goffredo cursou o primário no Lyceu Franco-Brasileiro, curso secundário no Ginásio de São Bento, onde o professor Leonardo van Acker o iniciou nos rigores das leis da consequência e Dom Nicolau Flui Gutt o presenteou com a "Lógica" do professor Sentroul.
Foi nessa época que descobriu, com a ajuda de sua querida avó Olivia, a paixão por lecionar. Em suas memórias, Goffredo descreve sua avó, Olivia Guedes Penteado, que "pertencia a uma raça valorosa, legítima descendente de uma brava gente, feita de bandeirantes e pioneiros, abridores de fazendas no sertão bruto, semeadores de cidades e precursores de uma civilização inédita num novo mundo".
Durante os anos de ginásio, assistiu a duas revoluções : a de 30 e a de 32. Na Revolução Constitucionalista de São Paulo, Goffredo não somente assistiu, mas também participou. E, no dia 23 de maio de 1932, o professor das Arcadas Francisco Morato anunciou os nomes escolhidos para o governo e município de São Paulo e, assim, Goffredo Teixeira da Silva Telles foi anunciado prefeito de SP.
Mas já era tempo de ir para a Faculdade, e foi lendo Fagundes Varela que Goffredo iniciou o curso de Direito.
"Ali estava eu, na famosa Academia! As Arcadas, o Pateo, o Largo, tudo aquilo passou a ser meu, passou a ser ambiente de meus dias. Eu tinha de dezoito anos de idade. Havia agitação nas ruas, e havia um sonho em minha alma".
Entre 193 formandos, em janeiro de 1938, graduou-se bacharel em Direito (Turma de 1937). Na Faculdade ele aprendeu a amar o Direito, como quem ama a liberdade e a Justiça.
Sua primeira esposa foi Elza Xavier da Silva, carinhosamente chamada de Zita (de Elzita), com quem se casou em 24 de julho de 1939, dia do aniversário de sua mãe. Com Zita, ele teve seu primeiro filho : Goffredo Neto, que faleceu pouco depois de completar dois anos de idade : "A meningite o matou, impiedosamente".
Em 19 de abril de 1947, casou-se com Lygia de Azevedo Fagundes, bacharel em Direito, formada pelas Arcadas, e que também fora sua aluna. Lygia é a conhecida romancista e contista Lygia Fagundes Telles. Com Lygia, o Professor teve um filho, o cineasta Goffredo Telles Neto. "Goffredo Neto não quis, nem de longe, seguir minhas trilhas universitárias... É um homem alto, forte, bonito. É cineasta profissional. Tem filmes premiados. É muito culto e conhece o mundo". O cineasta faleceu em 29 de março de 2006. Goffredo Neto teve duas filhas, netas do Professor : Lúcia Carolina e Margarida.
Em setembro de 1967, casou-se com Maria Eugenia Raposo da Silva Telles. Maria Eugenia fora sua aluna na graduação, filha de um amigo desde seu tempo de solteiro. Ao notá-la, ele descreve o momento mágico : "a luz de seu rosto me envolveu e eu me senti rebatizado, redimido. Maria Eugenia, na plenitude da graça e da glória, realizou, no fulgor de um só instante, o milagre impossível – o milagre a que eu me referira, numa noite longíqua de Natal, em casa de meus pais. E Maria Eugenia entrou na minha vida. E a iluminou para sempre".
A partir de então, Maria Eugenia se tornou sua inseparável e inspirada companheira, preciosa colaboradora de todas as horas.
O casal teve uma filha, Olivia, também advogada, formada pelas Arcadas (Turma de 1993), tendo obtido, em 95, o "Diplôme d’Etudes Approfondies" de Direito Internacional Econômico, na Universidade de Paris-I (Pantheon-Sorbonne). Nessa mesma Universidade, conquistou, em outubro de 2001 o título de doutora.
"Sua jornada no escritório começa bem cedo. Sinto sua falta. Ela é muito querida. Penso nela continuamente, Por que terá optado, tão rápido, pelo efetivo exercício da profissão? Vejo que há semelhanças entre ela e eu. Ela tem a paixão da advocacia, como eu também tinha..." conta-nos o apaixonado Pai.
Em 1940, assumiu o cargo de professor nas Arcadas. Lá, onde se formou, o agora Professor Goffredo passou a formar outros profissionais, homens de bem.
A princípio, como livre docente, depois como professor catedrático. Em 1954, tomou posse de sua cadeira, na disciplina de "Introdução à Ciência do Direito".
Lecionou durante quase 45 anos. Mas mesmo após sua aposentadoria (1985), ele continuou estreitamente ligado à Faculdade, ao Centro Acadêmico XI de Agosto e aos estudantes da sua velha e sempre nova Academia.
Nas Arcadas, foi vice-diretor, de 66 até 69, tendo exercido a Diretoria em diversos períodos. Membro do Conselho Técnico-Administrativo da Faculdade, de 58 até 69. Foi também organizador e primeiro chefe do departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, de 1970 até 1974.
Em 1985, por força de lei, foi aposentado compulsoriamente, ao atingir 70 anos de idade. Antes de sua aposentadoria foi honrado com o título de professor Emérito da Universidade de São Paulo pelo voto unânime do Conselho Universitário.
"Desde o momento em que iniciei meu curso de Direito, e durante toda a vida, até agora, a Faculdade tem sido o prolongamento de minha casa".
De outubro de 1944 até 1974, trabalhou no Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo. "O professor Noé Azevedo tinha razão: o trabalho no Conselho Penitenciário é daqueles que valem a pena".
Foi também deputado Federal Constituinte em 46 e deputado Federal na legislatura (1946/1950).
Em 1977, Goffredo redigiu o que seria o marco decisivo no processo de abertura democrática no país.
"Sentei-me à velha mesa, arredei livros, arredei papéis. Na minha frente, a folha branca, imaculada. Senti o leve roçar da asa do anjo na minha cabeça. Peguei o lápis e, lentamente, escrevi no alto da página: "'Carta aos Brasileiros'".
Assim, Goffredo iniciou a sua mais pura e indiscutível prova de amor ao Direito. A "Carta aos Brasileiros" (clique aqui) foi lida na noite de 8 de agosto de 1977, durante a vigência do regime de ditadura militar, no Pateo da Faculdade de Direito da USP, diante de grande multidão de estudantes, de gente do povo, de personalidades e jornalistas, em comemoração do Sesquicentenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil.
Seguiram-se aí inúmeros trabalhos juríicos e apaixonadas participações políticas do Mestre.
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O inverno de 2009 ficou mais frio e o nosso amado Professor deixou-nos. Seus discípulos ficaram órfãos dessa sabedoria encantadora. No dia 27 de junho de 2009 o Direito não perdeu somente o seu valoroso Professor, mas também o seu incansável estudante.
"Meu tempo de aluno passou como a manhã de sol de um só dia. Mas meu tempo de estudante dura até hoje".
Um breve relato em imagens
Goffredo (à direita) aos 17 anos, na Revolução de 1932. O segundo da esquerda para a direita é Annibal Raposo do Amaral, médico, que viria a ser seu sogro três décadas depois
Sentado, à direita, com os colegas do Conselho Penitenciário : Noé Azevedo, Flamínio Fávero, Almeida Júnior, Basileu Garcia, Aureliano Duarte, Pinto Ferreira, Boaventura Nogueira, João Carlos da Silva Telles, André Teixeira Lima, Otto Cyrillo Lehman