sobre Goffredo Telles Junior

Discurso de Goffredo Telles Junior pela instalação de uma embaixada em Moscou

O dia era 20 de maio de 1947. À sua volta, dezenas de deputados discutiam o projeto número 163, de 1947. O projeto abria pelo Ministério das Relações Exteriores o crédito especial de Cr$ 4 milhões para as despesas de instalação da Embaixada do Brasil em Moscou, enquanto a sombra da II Guerra Mundial ainda pairava sobre o mundo.

Da tribuna, o Professor Goffredo discursou favoravelmente à proposta. Embora contrário aos contatos do Brasil com a então União Soviética, a postura adotada pelo Mestre considerava que “é chegado mesmo o momento em que os brasileiros, quer sejam oposição, quer sejam governo, devem entrar na discussão dos problemas sociais, com superioridade e franqueza, desinteresse e gravidade”.

Selecionamos para nossos leitores significativos trechos do discurso, verdadeiras relíquias da história política nacional:

“Sr. Presidente. Srs. Deputados. Sou favorável à abertura, pelo Ministério das Relações Exteriores, do crédito de 4 milhões de cruzeiros, para instalação da Embaixada do Brasil em Moscou.

Grande número de representantes nesta Casa, com os quais tenho conversado sobre o assunto, sendo radicalmente contrários aos contatos do Brasil com o governo soviético da Rússia, desaprovam a abertura de tal crédito.

Também sou contrário aos inúteis – senão prejudiciais – contatos do Brasil com a União Soviética. Eis porque me sinto na obrigação de vir a esta tribuna para dizer à Casa o motivo pelo qual voto a favor do mencionado crédito, dando, assim, o sentido exato do meu pronunciamento, relativo ao projeto em debate.

Aliás, é chegado mesmo o momento em que os brasileiros, quer sejam oposição, quer sejam governo, devem entrar na discussão dos problemas sociais, com superioridade e franqueza, desinteresse e gravidade.

Chegamos ao fim da maior de todas as guerras. E o mundo se encheu de bandeiras, que não somente representam suas respectivas nações, como também simbolizam conceitos filosóficos e atitudes da inteligência humana, diante dos problemas fundamentais da vida.

O Brasil vai optar por seu destino. Ao discutirmos, pois, o crédito solicitado para a instalação de nossa embaixada em Moscou, nada mais oportuno do que a lembrança de que a política nacional não poderá mais ser a política ingênua e primária de nosso passado provinciano. Será inadmissível enclausurarmo-nos entre os limites de uma política de campanário, incompatível com nossa situação de potência soberana, a que cabe o dever indeclinável de colaborar na ingente obra de reconstrução do mundo.

Não há mais, Srs. Deputados, lugar para uma política fechada nos temas do pensamento universal.

Como nos parecem fora de moda, deslocados e até chocantes, fantasmas de um passado já morto, certos políticos, certos vagos políticos, nenhuma definição, de certos vagos partidos, sem unidade doutrinária, atirados para cá e para lá, ao sabor de todas as marés eleitoralísticas.

Esta é uma hora grave, porque é a hora de definição de atitudes. Ou nos manifestamos, neste momento, por Moscou, ou nos manifestamos contra Moscou.

Ora, Moscou, hoje em dia, representa o materialismo aplicado à política: Moscou, hoje em dia é, sem dúvida, um tipo do Governo, do Governo da sociedade, como se Deus não existisse; Moscou, hoje em dia, é o esquecimento de que o homem tem uma personalidade intangível, com direitos naturais, que ao Estado só compete respeitar e defender.

Estava eu dizendo, exatamente, que Moscou, hoje em dia, representa o regime do esquecimento de que o homem tem uma personalidade intangível com direitos naturais, que ao Estado só cumpre reconhecer e respeitar: Moscou representa, hoje em dia, a ditadura de uma classe e o regimento partido único, e, portanto, constitui a negação da democracia; Moscou representa, hoje em dia, o internacionalismo, isto é, o regime contrário a todas as nacionalidades soberanas e independentes.

(...)

A hora é de definição de atitudes. Os materialistas que estão contra Moscou estão fazendo o jogo de Moscou. Disto não podemos fugir. E os bolchevistas nada mais desejam, nada mais querem senão que toda a humanidade sustente o materialismo, embora não se diga bolchevista, porque, assim, o campo estará preparado e a semente do bolchevismo medrará na terra assim adubada. Eis por que, nesta hora grave da humanidade, em que o mundo se divide entre materialistas e espiritualistas, é preciso tomar uma atitude clara; eis por que devemos dizer o que somos, com clareza, nitidez e franqueza.

(...)

Bem sei que aqueles que são verdadeiramente contra Moscou são verdadeiramente democratas.

(...)

O que eu ia acrescentar às minhas afirmações iniciais é exatamente o seguinte: se formos contra Moscou, não basta dizer que somos contra Moscou. É preciso dizer mais alguma coisa. Não basta negar. Quem só nega, recua; quem só nega, foge e capitula. Negação é destruição. Quem só nega é um destruidor, e o de que o mundo precisa é de construtores.

(...)

A atitude mais frequente, entretanto, é a atitude negativista; a de dizer não, sem coragem de dizer sim. É frequente a atitude negativista, fruto, bem sei, de uma melancólica mentalidade de capitulação.

Negar apenas é recuar sempre. Somente as nações que afirmam caminham para a frente e avançam nas páginas da história. Nós, no Brasil, infelizmente, já negamos muito. É chegada a hora de se dizer uma palavra afirmativa.

Notai, brasileiros, como os bolchevistas afirmam. Eles afirmam. Senhores Deputados! Eis porque avançam! Estamos todos assistindo, neste momento, à extraordinária, à fantástica infiltração bolchevista no mundo.

Existem, nesta Casa, deputados contrários às relações diplomáticas do Brasil com a Rússia Soviética e que, por este motivo, votariam contra a abertura do crédito solicitado. Procurando alternar a opinião desses dignos representantes sinto-me no dever de argumentar como estou fazendo. Preciso demonstrar que, embora sejamos contrários ao bolchevismo, podemos conceder o crédito para a instalação de nossa Embaixada em Moscou.

(...)

O que estava eu dizendo é que o mundo, hoje em dia, acha-se infiltrado pelas forças bolchevistas. Ora, tem surgido, em certos países, a consciência da necessidade de combatermos essas forças. Tal consciência tem levado certos Srs. Deputados à convicção de que devemos dificultar, em tudo, a aproximação diplomática do Brasil com a Rússia, o que levaria aqueles nobres colegas a votarem contra a verba solicitada para a instalação da nossa Embaixada em Moscou.

O mundo, portanto, Srs. Deputados, tem se levantado contra todas as facilidades que se possam fazer à infiltração do bolchevismo. Entre as medidas tomadas para dificultar a campanha bolchevista, encontra-se a verificada em certos países, consubstanciada no fechamento do partido bolchevista. Eu sou insuspeito para falar sobre este assunto, porque pertenço a um partido que, no Brasil, não tomou qualquer providência, e nem uma vez se manifestou, relativamente ao fechamento do chamado Partido Comunista do Brasil.

Mas é inegável que existe em alguns países a tendência de fechamento do partido bolchevista. Pergunto eu: será de boa técnica esse fechamento, como medida para afastar, de uma vez por todas, a infiltração bolchevista?

Por dois pontos de vista a questão deve ser encarada: pelo ponto de vista estritamente social e pelo ponto de vista jurídico.

Socialmente, a pergunta é a seguinte: é oportuno o fechamento do partido bolchevista? Dou, imediatamente, a seguinte resposta: tudo depende da cultura nacional. O partido bolchevista é internacionalista, prega o internacionalismo, como dizem os verdadeiros bolchevistas – e quando digo “verdadeiros bolchevistas”, refiro-me aos bolchevistas autênticos e não aos demagogos, a serviço da mistificação.

O partido bolchevista, portanto, é antinacional, é contrário às nacionalidades soberanas e independentes.

Nos países cultos, existem defesas naturais; a própria nação se defende das infiltrações desagregadoras. Existem, nos países cultos, anticorpos que mantém a integridade e a higidez do organismo nacional.

Mas, nos países incultos, outra coisa se dá. Os países incultos são como as crianças: falta-lhes autocensura, falta-lhes discernimento; deixam-se levar porque são influenciáveis, são sugestionáveis. A demagogia, a esperteza, a astúcia, o engodo, convencem os países não cultos, os países que não possuem uma cultura suficiente para sua defesa.

Perguntaria: deve-se conceder a mesma liberdade a uma criança e a um adulto? – Evidentemente, não. Pregar e ensinar hábitos imorais a menores de idade, é abusar da inocência infantil. Como denominaremos – eu vos pergunto, Srs. Deputados – a pregação do bolchevismo, isto é, a negação da pátria, a destruição da família, o amor livre?

Perguntava, exatamente, à Casa: como denominaremos a pregação do bolchevismo, isto é, a negação da pátria, a destruição da família, o amor livre, etc., a uma nação-criança, a um povo que não sabe ler?

No Brasil, especificamente, será oportuno impedir as atividades de um possível partido bolchevista?

A resposta a esta questão depende, evidentemente, de nosso nível de cultura, e eu deixo, com prazer, a solução da mesma ao critério de meus nobres colegas.

E juridicamente, como deve ser julgada a tendência de fechamento do Partido Bolchevista, verificada em certos países?

A questão envolve o conceito da Democracia. A Democracia, antigamente, era um regime passivo, abstencionista, incapaz de se defender contra a propaganda de ideias antidemocráticas. O conceito moderno de Democracia é bem outro. Atualmente, Democracia é o regime de vigilância, em defesa dos direitos fundamentais do homem.

As Constituições modernas consagram este preceito. Assim, nossa Constituição, em seu art. 141, parágrafo 3º, estabelece: “É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem”.

Ora, o Partido Bolchevista é marxista-leninista; prega o regime do partido único e a ditadura de uma classe sobre a sociedade. É, portanto, um partido antidemocrático. Juridicamente, pode, pois, a Democracia, para defender-se e para salvaguardar os direitos fundamentais do homem, mandar fechá-lo.

Ainda mais: só por erro essencial, há de a Democracia de qualquer país civilizado permitir o registro do Partido Bolchevista. Ora, o erro essencial é figura jurídica, que fulmina de nulidade o ato jurídico em que ele se manifesta. É nulo o casamento realizado com erro essencial. É nula a escritura pública firmada em virtude de erro essencial. Do mesmo modo, é nulo o registro do partido, cujo registro foi concedido por erro essencial. Neste caso, o registro é nenhum.

Mas não tenho, Srs. Deputados, uma ilusão sequer sobre os efeitos do fechamento do partido bolchevista, em qualquer país do mundo. Porque não se fecha, bem sei, o intelecto humano, como se fecha a porta de uma sala.

Em discurso proferido por mim nesta Câmara, já disse que o melhor combate ao bolchevismo é a realização da autêntica democracia. Não tenhamos medo das relações entre o Brasil e a Rússia Soviética, se soubermos aplicar, em nossa terra, os princípios fundamentais da democracia, porque, com isto, teríamos do bolchevismo seus pretextos de vida.

O que nos compete é dignificar a pessoa humana, impedindo a exploração do homem pelo homem; o que nos compete é humanizar o trabalho; o que nos compete é banir os privilégios injustos; o que nos compete é impedir o triunfo dos aventureiros, enquanto o povo morre na miséria.

O homem, na tríplice esfera de suas legítimas aspirações, materiais, intelectuais e morais, tem direitos que lhe são congênitos decorrentes, não do Estado, mas de sua própria essência e que limitam o poder do Estado. Tais direitos, como por exemplo, os que concorrem à vida, à liberdade, à família, ao trabalho, à propriedade privada, são condições inerentes à natureza humana, atributos inatos, impostergáveis, que não podem, sem violência, ser negados pela legislação positiva.

Todo atentado contra os direitos naturais da pessoa humana deve ser considerado crime: todo cerceamento injusto da liberdade individual é prepotência; toda tirania é intolerância.

Proclamemos, portanto, neste momento em que discutimos a verba para instalação de nossa Embaixada democrática na Rússia Soviética, proclamemos, acima de quaisquer circunstâncias de tempo e de espaço, o princípio fundamental de que o homem é um ser dotado de uma personalidade intangível.

Estas, as ideias inspiradoras de uma verdadeira democracia. Façamos com que essas ideias vençam o furor marxista, como em outros tempos, Srs. Deputados, a ideia do cristianismo venceu o vandalismo dos bárbaros.

(...)

Nestes termos, espero haver revelado o exato sentido de meu voto ao projeto ora em discussão.

Bem sei que, mais dia ou menos dia, pela própria dinâmica dos fatos internacionais, os povos livres da América romperão relações com a Rússia Soviética. É o que o Brasil autêntico espera e deseja – não o Brasil cosmopolita de nossas capitais litorâneas, mas o Brasil verdadeiramente brasileiro de nossos infindáveis sertões.

Por ora, enviemos os 4 milhões de cruzeiros à embaixada brasileira sediada na Rússia, a fim de livrar nossos patrícios do campo de concentração, que é o famigerado Hotel Nacional de Moscou.

Deus vele por nós, para a grandeza e independência de nossa Pátria.”