“Não há política verdadeira fundada em fantasias e em quimeras. A política é feita para o homem, para a sociedade humana, e há de ser conforme às leis do homem e às leis naturais da sociedade humana. A política feita em gabinete, olhos vendados, não é uma verdadeira política, porque foge à realidade social, porque ignora a verdade realmente existente e, portanto, há de ser uma construção que se esfacela em contato com a realidade da vida. Política é vida. A doutrina do Estado não pode vir como um rolo compressor impondo uma ordem imaginada. A ordem do Estado deve ser o resultado, a consequência, a conclusão do reconhecimento, por parte do Estado, de tudo aquilo que é natural e espontâneo, imaginação e da quimera.
A ordem social, o Direito, devem ser o reflexo simples da própria realidade. O Direito nasce da terra, do povo, da nação. O fascismo italiano, alemão ou russo sempre sustentaram que o Estado é o criador do Direito. Bastaria esta afirmação, para que não tolerássemos qualquer espécie de fascismo, fosse ele italiano, alemão ou russo...
Posso citar, neste momento, em apoio da tese que venho expondo, o caso típico da Carta Constitucional de 37, forjada, como sabemos, dentro de um gabinete de estudos, de janelas fechadas para a realidade nacional, Carta esta que, como bem demonstrou da tribuna o nobre Deputado Carlos Marighela, não foi possível por em execução, porque a vida é mais forte do que a fantasia. A Carta Constitucional de 37, podemos dizer, foi como que uma máscara afivelada ao rosto da Nação, máscara que a Nação jamais pode aceitar.
Segundo Goffredo Telles Junior, a própria natureza das coisas consagra o princípio da intangibilidade da pessoa humana. “Porque a realidade nos demonstra que certos direitos existem no homem que não decorre do Estado; que nascem com ele, e para cujo nascimento não concorreu o poder público, direitos que ao Estado compete, portanto, apenas, verificar e respeitar.
Eis porque afirmamos, sem medo de engano, que o princípio fundamental da política é o da intangibilidade da pessoa humana.
O homem é anterior ao Estado e a todas as organizações humanas.
Por isto, antes de tudo, deve o Estado respeitar a essência humana. O Estado é organizado para servir ao homem, e se o homem deve servir ao Estado, é para que este sirva melhor ao homem.
Há dois aspectos pelos quais o homem pode ser considerado. Pode ser considerado como indivíduo, parte do todo, órgão de um organismo, devendo servir à sociedade e ao Estado. Mas, além de indivíduo, o homem é um ser dotado daqueles direitos de que eu falava há pouco, que não decorrem do Estado, porque anteriores e superiores a ele, e que a ele cumpre respeitar. Neste aspecto, o homem é mais do que indivíduo, mais do que órgão dentro de um organismo, mais do que dente de engrenagem: - é pessoa.
O desconhecimento destes princípios, aliás elementares, acarretou dois erros da política moderna: o individualismo e o totalitarismo. O individualismo é o esquecimento de que o homem deve servir ao Estado como indivíduo; o totalitarismo é o esquecimento de que o Estado deve submeter-se aos fins superiores da pessoa humana. No individualismo, os fortes devoram os fracos; no totalitarismo – que pode ser fascista ou comunista – o Estado devora a todos. Ambos estes erros constituem atentados à liberdade humana.
Não entendemos a liberdade, quando ela é o patrimônio exclusivo de uma classe, de um grupo ou de um único homem. Não a entendemos, quando a palavra liberdade procura ocultar a falência da lei, o declínio do Direito, o domínio dos poderosos, a opressão dos fracos. Não a entendemos quando a palavra liberdade significa escravidão.
Liberdade não significa: poder de fazer tudo quanto queremos, como prega o individualismo.
Liberdade não significa também: ser obrigado a fazer o que o ditador quer, como prega o totalitarismo.
Liberdade não significa direito de matar, de ser usurário, de escravizar o próximo. Liberdade não significa direito de ser exageradamente rico, entre aqueles que são absolutamente pobres.
Liberdade é outra coisa.
O homem livre é o homem dono de si mesmo. E é dono de si mesmo o homem que adere a seu verdadeiro bem, isto é, o homem que não se desvia de seus fins naturais.
Ora, esse domínio do homem sobre si mesmo, não terá um sinal externo, expressão material e objetiva da liberdade humana? A resposta só pode ser afirmativa. Em verdade, nossos estados de alma, nosso mundo subjetivo quase sempre busca refletir-se no mundo objetivo, por sinais externos. O aperto de mão não será a comprovação do que acabo de dizer?
Assim como o escultor, ao idealizar sua obra, sente-se mais livre, mais capaz de produção, quando possui o bloco de mármore, sobre o qual possa realizá-la – assim também o homem é mais livre em seu íntimo, quando possui, no mundo exterior, alguma coisa a que possa dar o cunho de sua personalidade.
O homem, dono de si mesmo, anseia em ser proprietário de alguma coisa no mundo externo.
Eis a razão pela qual o princípio da propriedade privada deflui da própria natureza humana.
Poderíamos citar, aqui, a afirmação de Fulton Sheen, que me parece absolutamente acertada: a propriedade privada é a garantia econômica da liberdade.
A conclusão prática do que venho dizendo é que toda política autêntica, verdadeira realista há de defender a tese da mais larga distribuição possível da propriedade privada, como garantia da liberdade humana. Se as propriedades estiverem em mãos de poucos, como quer o individualismo, a maioria será escrava; se estiverem nas mãos do Estado, como quer o comunismo, a nação será escrava.
Embora defenda, desta forma, o princípio da propriedade privada, sustento, porém, uma distinção, que se me afigura essencial. É entre o direito à propriedade e o uso que dela devemos fazer. O direito à propriedade privada é eminentemente pessoal; o uso, entretanto, que da propriedade privada devemos fazer, é social, quer dizer, limitado pelo bem comum. Se somos, por exemplo, proprietários de um automóvel, nem por isto temos o direito de andar por cima das calçadas.
Assim como afirmamos o princípio da propriedade privada, decorrente da própria essência humana, afirmamos, também, o direito do homem de trabalhar.
Como sabem os Srs. Representantes, o trabalho, na antiguidade, era tarefa ignóbil; no capitalismo, não passa de mera mercadoria, e no comunismo é propriedade do Estado. Para nós, porém, trabalho e vida são dois termos de uma mesma equação.
Assim como não compreendemos trabalho sem vida, não compreendemos vida sem trabalho.
Compreendemos que o trabalho tem eminente função social, em favor do bem comum. É uma atividade humana e, como tal, não pode ser artigo de comércio, como quer o capitalismo, nem propriedade de um ditador, como quer o comunismo.”