sobre Goffredo Telles Junior

Goffredo Telles Junior pedia Estado de Direito na Conferência Nacional de 1978

Em 1978, em plena ditadura militar, acontecia em Curitiba a VII Conferência Nacional dos Advogados.

Ali, já era possível notar a projeção alcançada pela OAB na defesa da Ordem Jurídica. Como resultado, os debates travados no evento realizado na capital do Paraná ganharam ampla repercussão nacional.

As discussões centraram-se em um ponto crucial para a nação brasileira: o Estado de Direito. E a voz imponente que bradava por uma nova ordem era do eterno Mestre Goffredo da Silva Telles Junior. Do outro lado, a tese dos defensores das salvaguardas, com o estado de emergência e as medidas de emergência, que pleiteavam a institucionalização da suspensão das garantias quando as circunstâncias políticas indicassem risco para a estabilidade política.

Quem narra é a advogada Maria Eugenia da Silva Telles:

Goffredo sustentou que a defesa do Estado deveria ficar restrita ao estado de sítio, como medida excepcional, afastadas quaisquer outras medidas, não previstas na Constituição, incompatíveis com o Estado de Direito e caminho aberto para o arbítrio (Tese nº 7: “O Estado de sitio e as outras salvaguardas”).

O defensor da Tese das salvaguardas era Oscar Dias Correa, antigo líder da UDN, deputado constituinte em 1946 e depois Ministro do Supremo Tribunal Federal. Sua tese intitulava-se “Emergência constitucional no Estado de Direito” (Tese nº 17). Correa defendia a ideia de que o Estado Democrático de Direito precisava incorporar normas que regulassem os estados de exceção que ocorrem na vida política, advogando a aplicação de medidas igualmente de exceção para defesa do Estado.

O embate entre as duas atitudes políticas foi notável e marcou a Conferência como um dos encontros mais extraordinários.

Era preciso preparar cuidadosamente a sessão da Comissão encarregada da Tese defendida pelo Goffredo. Havia riscos de toda ordem. O Ministro Petrônio Portela reuniu-se várias vezes com o nosso “Batonnier” Raymundo Faoro, buscando cooptá-lo para a tese das Salvaguardas, instando para que a Tese do Goffredo fosse adiada em Plenário, mesmo se tivesse sido aprovada na Comissão.

(...)

O Conselho Federal se dividiu. Muitos de seus membros – alguns notáveis advogados e juristas – se deixaram seduzir pelo discurso governista e cerraram fileiras em prol da aprovação da Tese das Medidas de Emergência e do Estado de Emergência.

Nas Comissões, ambas as teses foram aprovadas. A aprovação da Tese defendida pelo Goffredo foi aclamada e formou-se ali um núcleo de resistência, contrário à ideia das Salvaguardas.

Afinal, chegou o dia da Sessão Plenária. A expectativa era imensa. Cabia ao Presidente da Conferência sagrar as teses que iriam compor a “Declaração dos Advogados Brasileiros” e aquelas teses que seriam “adiadas”, significando que seriam excluídas das Conclusões da Conferência.

Sabemos dos bastidores. Raymundo Faoro tomou seu tempo para decidir o que fazer. O apelo governamental para apoiar a tese das Salvaguardas era poderosíssimo. “O ótimo é inimigo do bom”, diziam alguns Conselheiros Federais, convencidos pela verve de Portela que acenava com a revogação de boa parte do entulho autoritário em troca das Medidas Excepcionais de Defesa do Estado.

Enfim, no dia 12 de maio, sexta-feira, depois do almoço, reuniu-se a Sessão Plenária no Teatro Guaíra. O Presidente relacionava as Teses e proclamava : APROVADA, ou então ADIADA. A proclamação foi a seguinte: Tese nº 7 “Estado de Sitio e outras Salvaguardas” - APROVADA. Tese nº 17 “A Emergência Constitucional do Estado de Direito” - ADIADA.

O Plenário se levantou aos brados de “Viva, Viva, Viva o Brasil, Viva o Estado Democrático de Direito Pleno, Viva”, palmas e palmas. A emoção tomou conta dos corações ao som do Hino Nacional.

(...)

Depois da noite da Carta aos Brasileiros, a Sessão Plenária da Conferencia da Ordem em Curitiba foi o evento mais representativo compartilhado por Advogados e Militantes em prol da Restauração da Democracia no Brasil.”

Por fim, a "Declaração de Curitiba", aprovada na Conferência, manifestava o repúdio dos advogados pelo estado de exceção ainda vigente no Brasil:

"Os direitos fundamentais não podem sofrer agravo de grupos ou entidades privadas, e, com maior razão devem ser postos no abrigo de agressões que decorram das autoridades constituídas, cujo dever primeiro será o de amparar o livre desenvolvimento daqueles direitos... No Estado de Direito, a segurança constitui meio de garantir as liberdades públicas. Protege-se o Estado, para que este possa garantir os direitos individuais."

Na Declaração, os advogados brasileiros clamavam pela revogação dos atos institucionais, pela a reinstituição do HC e pela concessão da anistia ampla, geral e irrestrita, medidas que finalmente poderiam promover a restauração do estado democrático, desejo primordial da Ordem.

No decorrer da Conferência, o presidente da Ordem, Raymundo Faoro, por intermédio do senador Petrônio Portela e do ministro e representante do presidente da República, Rafael Mayer, recebeu comunicado do general Ernesto Geisel, afirmando que seria decretada a anistia, objeto de tanto empenho da Ordem dos Advogados.

A VII Conferência teve um importante papel histórico ao assumir a luta pela redemocratização do país, conseguindo obter, parcialmente por meio de suas reivindicações pelo respeito à Justiça e às liberdades individuais, a promulgação da lei da Anistia.

Em outubro de 2014, acontece no RJ a XII Conferência Nacional dos Advogados, oportunidade em que os princípios do Estado Democrático poderão, novamente, ser debatidos.

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