sobre Goffredo Telles Junior

Goffredo, 100 anos

Os estudantes que, de 1940 até 1990, ingressaram na Faculdade de Direito da USP receberam, logo no primeiro ano, as aulas de Introdução à Ciência do Direito do professor Goffredo Telles Junior, nas quais sentiam que algo superior ia se processando, pela formulação de uma lógica que falava de princípios, de valores, de ética --do Direito como instrumento de Justiça.

A fala compassada, a voz suave, o olhar afetuoso parecem ainda reverberar pelas arcadas sob as quais tantas vezes o professor Goffredo discursou ou saudou seus alunos, um lugar de tantos significados.

Neste sábado, 16 de maio de 2015, completam-se cem anos do nascimento do professor Goffredo.

Sua singular trajetória se definiu desde a infância quando ele e o irmão, Ignacio, viveram em Paris, passando, depois, pela convivência com artistas de vanguarda no Salão Moderno de sua avó Olívia Penteado e pela fazenda de Araras, o pai ensinando-lhe paixão e método nos estudos. Tudo isso fez dele herdeiro de uma formação ímpar.

Amorosamente absorveu como ninguém os ensinamentos, que transbordaram para ideais generosos no ensino, na advocacia, na política e nas relações pessoais.

Ainda menino, adquiriu o hábito da leitura de jornais. Os questionamentos sobre a liberdade humana também surgiram cedo, no ginásio São Bento, onde os mestres o arrebataram para a filosofia.

As revoluções de 1930 e 1932 e o ingresso em 1933 na Faculdade de Direito figuram como ritos de passagem. À primeira assistiu ciente de que, pela primeira vez, se ouvia falar de povo. Na segunda, presenciou o clamor popular e serviu no front.

Ato contínuo, o ingresso nas Arcadas. Nas suas palavras: "Minha casa, minha escola, minha egrégia academia". Dimensionar as atuações do professor Goffredo é retraçar a história do século 20, vivenciada por quem tomou parte nela, na emergência de novas correntes políticas, num quadro internacional mais complexo e diante de uma São Paulo contrária à centralização do poder.

Nesse percurso, foi advogado, político e, acima de tudo, professor. Como advogado, instalou-se, ainda quintanista, no escritório da praça da Sé. Deputado federal na Constituinte de 1946, defendeu causas de interesse nacional.

Foi, contudo, o magistério que lhe permitiu formar gerações tocadas pela beleza do Direito. Ao final da carreira, foi saudado pelos alunos como "professor-símbolo" e reconhecido pela Universidade de São Paulo como professor emérito.

Goffredo teria seu protagonismo inscrito na história da democracia do país em 8 de agosto de 1977, data da leitura da sua "Carta aos Brasileiros". O lugar e a ocasião não podiam ser mais simbólicos: o território livre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco nos 150 anos dos cursos jurídicos no Brasil.

A escola voltava a ser o espaço simbólico de retomada do Estado de Direito. Era de novo o recinto de onde deslancharam as campanhas abolicionista e republicana e no qual uma mocidade aguerrida se opusera à ditadura de Getúlio Vargas.

Foi naquela tribuna que permaneceu na memória de muitos a figura bonita, altiva sem arrogância, poderosa sem investidura de cargo do querido professor. Se José Bonifácio, o moço, foi o professor carismático do século 19, Goffredo o seria para o século 20. Foi um grande.

Nos dias de hoje, que falta nos faz o professor Goffredo!

*Ana Luiza Martins e Heloisa Barbuy, doutoras em história pela USP e autoras de "Arcadas - História da Faculdade de Direito da USP" (ed. Melhoramentos)