Que vemos nos dias que correm em nossa pátria? Que vemos no Brasil?
Assistimos, neste momento, a um movimento revolucionário incontestável. O golpe de estado é apregoado na praça pública e no Parlamento.
Diante desta situação o homem de pensamento, o homem habituado a meditar sobre os problemas, vê surgir diante dele duas perguntas: Em primeiro lugar, o golpe que se quer dar visa o que? Contra o que se quer dar o golpe?; e em segundo lugar, golpe para que: qual é o objetivo do golpe? Em primeiro lugar, portanto, pergunta-se: Contra que?; e em segundo lugar, para que?
Se nós analisarmos a situação nacional, verificamos que a nação vive dentro da ordem constitucional. Temos uma Constituição democrática e o regime está em vigor, a Constituição está em vigor. O Vice-Presidente da República, na falta do Presidente, assumiu a Presidência e está exercendo legalmente o seu mandato; não há nenhum arbítrio, não há prepotência, não há opressão. Dentro em pouco se vão-se realizar as eleições normais para sucessão presidencial. Dentro desse quadro, porque motivo se fala tanto em golpe? Não sejamos ingênuos, meus amigos, quando fazemos essa pergunta. Os objetivos do golpe não constituem nenhum mistério e surgem bem claros diante dos nossos olhos. O objetivo do golpe, em última análise, simplificando ao máximo este problema, em última análise o objetivo do golpe outro não é senão o de impedir que exerça o governo algum candidato que for eleito pelo povo mas que não mereça o apoio daqueles que querem dar o golpe. Se nós quisermos simplificar ao máximo esta questão diremos que a teoria que não é metafísica mas bem simples, a teoria daqueles que pregam a necessidade do golpe outra não é senão a seguinte: A eleição será legítima se levar à Presidência da República determinado candidato, mas será ilegítima se levar à Presidência da República qualquer outro candidato. Sendo ilegítima deve a eleição ser anulada e isto só é possível por meio do golpe. Se nós meditarmos um pouco sobre os discursos que têm sido feitos na Câmara, sobre os artigos que a imprensa ter estabelecido a favor do golpe, verificaremos que, no fundo, em última análise, essa é a teoria do golpe.
Ora, essa doutrina em favor do golpe entra, evidentemente, em contradição flagrante com os princípios fundamentais do nosso regime, está incontestavelmente em contradição flagrante com a soberania popular e com o processo do sufrágio universal. Entretanto, apesar desta contradição, da contradição entre aqueles que sustentam a necessidade do golpe e os princípios que informam o regime vigorante, apesar desta contradição, os que querem o golpe, em última análise, afirmam: O golpe, dizem eles, é uma solução democrática, é uma solução democrática porque visa afastar do governo um homem ou os homens que como prova e seu ou os seus passados, só poderá macular o regime vigorante; visa afastar do governo determinado elemento que no conceito dos pregadores do golpe, são considerados incompatíveis com o regime da democracia, e assim dizem eles: O golpe não é contra o regime, pelo contrário, é a favor do regime. O fim justificaria o meio.
Eu vejo em tudo isto, meus amigos. Um grande equívoco. Tenho o hábito de ser o mais claro possível e não dizer uma coisa em lugar de outra coisa. Sejamos, portanto, claros, claros como devem ser os juristas. Se o golpe é a solução imprescindível, então a conclusão é esta: O regime vigorante é imprestável. Se o regime não tem os meios de levar aos postos de mando os homens que devem ir aos postos de mando, se o golpe é imprescindível, então, a conclusão é esta: O regime vigorante é imprestável. Quero lembrar que há no nosso tempo, na época em que vivemos, não só no Brasil, mas no mundo, no mundo ligado ao Brasil, no mundo na nossa civilização, existe atualmente um mal, um vício que é o seguinte: sobre todos os assuntos somos levados a aceitar duas verdades diferentes: Uma verdade que nós sabemos ser verdadeira e a outra que não é a verdadeira mas funciona como se fosse verdadeira. E, curioso observar esse fenômeno que é típico da nossa época. Há duas verdades em todos os assuntos: uma verdade verdadeira e uma verdade falsa, que funciona como se fosse a verdade verdadeira. Reparem os senhores que realmente isto sucede. Mesmo no campo moral vamos sendo levados a designar os fatos com nomes que não exprimem realmente esses fatos. Quantas vezes no mundo moderno a mais flagrante despudorada desonestidade é chamada esperteza, habilidade. Este vício das duas verdades se projeta no campo político. Nós sentimos, muitas vezes dissemos e escrevemos, por exemplo, que o Parlamento Nacional representa a nação. Ora, nós sentimos que isto não é verdade. O Parlamento Nacional, só por ficção é que representa a nação.
O fato incontestável é que a ideia da revolução está cada vez mais fascinando as consciências. Nós sentimos que, apesar de tudo, a ideia revolucionária tem cada vez maior penetração. Porque motivo? Tenhamos coragem de responder verdadeiramente a esta pergunta. Todos, todos os homens conscientes têm a sensação de que alguma coisa está errada. Mas nós que temos o hábito de meditar sobre os problemas nacionais, nós não somente sentimos mas sabemos que o mal que nos infelicita não está em um, em dois ou em três determinados homens. O vício é mais profundo porque é um vício do próprio regime. Ainda hoje, abrindo os jornais, li a declaração do Presidente da República. Disse o Senhor Café Filho que é impossível governar com esta Constituição. E que a Constituição Brasileira é calcada em constituições alienígenas, em fórmulas que não fórmulas brasileiras. Ela não se inspirou na realidade profunda de nossa terra. Durante todo o Império, buscamos nós brasileiros fazer como os ingleses. Durante toda a República, buscamos nós brasileiros fazer, como os americanos. Assim como Rui Barbosa contra a República Americana de Braz e Teixeira Mendes contra a Política positiva de Augusto Comte, tenho a convicção de que é chegada a hora de lermos o grande livro da realidade nacional. Ao dizer-vos isso, meus amigos, sinto reatar-se em mim o ideal revolucionário, mas exatamente porque sou um revolucionário sou contra os golpes. O golpe é um ideal bem pequeno, é um ideal insuficiente para uma alma de revolucionário. Quarteladas, ‘’complots’’, maquinações, agitações, desastres, diante de tudo isto um verdadeiro revolucionário queda-se gelado. O golpe agita a nação e ao mesmo tempo paralisa as fontes produtoras, sem nenhum alto objetivo. O golpe ocasiona muitas vezes derramamento de sangue, sem a justificação de um grande ideal. Com o golpe, substituem-se homens por homens, partidos por partidos, só isso. E a nação é transformada em cobaia de experiências oportunistas. Revolução no grande sentido é mais do que isto. A revolução no seu autêntico sentido é um movimento que leva desfraldada a bandeira de uma doutrina. Revolução antes de ser um movimento armado, antes de ser um movimento de quartéis, antes de ser um movimento da rua, revolução é um movimento de espírito, um movimento de cultura. Revolução não é apenas destruição. Revolução é muito mais do que destruição. Revolução não é a derrubada de um governo. Revolução é antes de tudo um movimento de criação, de edificação. Uma revolução não pode ser uma experiência para ver no que dá. A revolução autêntica é uma cultura em marcha, como foi a Revolução Francesa, a Revolução Americana, a Revolução Russa. Que nos oferecem os pregadores de golpe no Brasil moderno? Muitos discursos, muitas palavras, muitos chavões, muitos ‘’slogans’’, o vácuo, nenhuma ideia nova que justifique uma revolução, nenhuma ideia essencialmente brasileira e nossa capaz de levantar a nação inteira. A revolução, muitos não a compreendem assim, mas a revolução há de ser sempre um movimento de mentalidades, de consciências, um movimento contra mentalidades crepusculares, um movimento contra ideias mortas, um movimento contra instituições devastas e um movimento contra aqueles que só sabem acompanhar a onda e de conformam com todas as monotonias. E revolução há de ser um movimento a favor de uma nova cultura, de um novo conceito de política, de uma nova estrutura de estado. Ela porque, meus amigos, a revolução há de ser sempre um movimento de mocidade, de mocidade de espírito. Qualquer coisa me diz que a revolução brasileira sairá desta Escola. Aqui redigiremos a Constituição do Brasil autêntica. (palmas prolongadas) Em nossos altares estão Alberto Torres, Oliveira Viana, Euclides da Cunha e outros nomes tutelares da nação. Eu confio nesta Escola, confio nesta Escola que é uma escola de cultura, de poesia e de sonhos. Sobre estas vetustas Areadas germina a primavera do Brasil. (palmas prolongadas).